3.2. Precariedade
Portugal continua a ser um país precário: quase um terço dos contratos de trabalho no privado são precários (31%), metade dos trabalhadores abaixo dos trinta anos não tem contrato permanente e centenas de milhares trabalham sem contrato (na informalidade absoluta ou com falsos recibos verdes). Os baixos salários condenam as pessoas a vidas no limiar da pobreza e os vínculos temporários impedem-nas de fazer projetos para o futuro.
O governo PS, depois de resistir a avanços em matérias laborais, acabou o mandato de 2022 com a promessa de uma “Agenda do Trabalho Digno”, que viria a concretizar-se numa reforma da legislação laboral já no contexto da maioria absoluta. Contendo medidas positivas pelas quais o Bloco se bateu, essa alteração legislativa ficou muito aquém do necessário e da expectativa.
Desde logo, por aquilo que exclui. A opção da última alteração às leis do trabalho foi manter o quadro de desequilíbrio que vem do Código do Trabalho de 2003, da versão de 2009 e das alterações feitas na sequência da intervenção da troika em 2012 e 2013. Mantém-se, assim, a caducidade das convenções coletivas e a não recuperação integral do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador. A compensação por despedimento passou apenas para os 14 dias por ano de trabalho, muito longe dos 30 dias que vigoravam antes do brutal corte da direita em 2012 e 2013. Nada se altera em matérias fundamentais como o trabalho por turnos ou o período normal de trabalho.
Não desistimos de uma transformação estrutural das relações de trabalho e da reversão do desequilíbrio que hoje é a marca da legislação laboral, que tem vindo a individualizar as relações de trabalho e a permitir a instalação da precariedade.
Tempo para viver: semana de quatro dias, 35 horas, desconexão
Tempo para viver: semana de quatro dias, 35 horas, desconexão
Foi há quase três décadas que se fez a última redução do período normal de trabalho no setor privado, com a aprovação, em 1996, da lei das 40 horas. Desde então, não houve evolução legislativa sobre a duração do trabalho, a não ser as múltiplas formas de flexibilização de horários, adaptabilidades e bancos de horas.
O balanço da experiência portuguesa e internacional relativa à redução do horário de trabalho dá-nos indicações sobre estes processos. Em Portugal, a redução para as 40 horas permitiu a criação de 5% de emprego líquido no primeiro ano e 3% no segundo. Em França, a aplicação das leis Aubry (a primeira de 1998 e a segunda de 2000) que reduziram o horário de trabalho paras as 35 horas, contribuiu para a criação de 350 mil empregos entre 1997-2001, acompanhada de uma aceleração dos ganhos de produtividade e do relançamento do diálogo social. Se tomássemos como referência a experiência francesa de 1998, a aplicação das 35 horas no setor privado em Portugal poderia criar mais de 200 mil postos de trabalho.
Por outro lado, existe um movimento internacional pela semana de quatro dias, com redução do horário de trabalho semanal e sem perda de salário mensal. Em Portugal, esta forma de organização do trabalho já foi testada em 41 empresas, com bons resultados, abrangendo mais de 1000 trabalhadores. Em média, a semana de quatro dias envolveu a redução das horas de trabalho semanais em 13,7% (para 34 horas, reportado pelas empresas), na maior parte dos casos (cerca de 60%) através de mais um dia livre por semana. Em 20% das empresas, o dia livre é a sexta-feira, nos outros casos é variável. 95% das empresas avaliam positivamente o teste até agora e os inquéritos feitos aos trabalhadores indicam diminuição da ansiedade, fadiga, problemas de sono e estados depressivos. Os níveis de exaustão pelo trabalho reduziram-se em 19% e cerca de dois terços dos trabalhadores passaram mais tempo com a família após o início da redução horária.
A limitação da jornada de trabalho faz-se também combatendo os abusos nas horas extra (muitas delas não pagas), o abuso das figuras legais da “isenção de horário” e da “laboração contínua” e através de sinais fortes, como o que foi dado com a consagração do dever patronal de desconexão, que o Bloco vinha defendendo desde 2017 e que ficou consagrada no Código do Trabalho no final de 2021.
A esquerda deve investir decididamente num programa de redução progressiva do horário de trabalho e num programa de estabelecimento da semana de quatro dias de trabalho, sem perda salarial e com progressiva redução do tempo de trabalho. Isso deve ser feito expandindo a adesão voluntária das empresas, mas também por via normativa, com uma nova lei da redução do horário de trabalho imperativa para todas as empresas: em 2025, o período normal de trabalho seria reduzido para as 38 horas semanais; em 2026, para as 36 horas semanais; em 2027, seria reduzido para as 34 horas semanais. No caso das empresas que adiram à semana de quatro dias, devem ser fixados, a partir de 2028, as 32 horas semanais.
A redução do horário normal de trabalho e a semana de quatro dias são processos distintos, que respeitam a dimensões distintas da gestão e organização do tempo de trabalho. Num caso, trata-se de fixar o período normal de trabalho; no outro, de uma prática de gestão e organização, que pode ter expressão na contratação coletiva e ser depois generalizada pela lei.
As propostas do Bloco:
As propostas do Bloco:
Relançar a contratação coletiva e reduzir o horário de trabalho
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Relançar as convenções coletivas e o sistema coletivo de relações laborais, nomeadamente com o fim da caducidade unilateral dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho e a reposição do tratamento mais favorável ao trabalhador;
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Redução progressiva do horário de trabalho, fixando por lei, nesta legislatura, o período normal de trabalho, no máximo, nas 35 horas.
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Consagrar na lei a possibilidade de opção (também por iniciativa do trabalhador) pela semana de 4 dias, vinculada à redução do horário de trabalho semanal e sem perda de rendimento.
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Combater a desregulação dos horários, limitando e regulando a utilização da figura da “isenção de horário” e da generalização da laboração contínua;
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Realizar um livro verde sobre o tempo de trabalho, que faça o levantamento da extensão do uso da adaptabilidade e do banco de horas, do trabalho por turnos e noturno e sua incidência setorial;
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Eliminar integralmente o corte no acréscimo remuneratório do trabalho suplementar, reduzido para metade em 2012 e apenas parcialmente reposto. Recuperação do descanso compensatório.
Combater a precariedade
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Restringir a contratação a prazo apenas às situações de substituição temporária e de pico ou sazonalidade de atividade, eliminando as exceções legais que permitem a sucessão de contratos a termo;
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Regularizar os falsos recibos verdes e outras situações irregulares, utilizando a Ação Especial de Reconhecimento do Contrato de Trabalho (a “Lei contra a Precariedade”), com metas anuais ambiciosas para a Autoridade para as Condições do Trabalho, de modo a atingir dezenas de milhares de situações regularizadas até ao final da legislatura;
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Incluir um critério de exclusão de empresas com situações precárias irregulares em qualquer contrato com o Estado;
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Limitar os fundamentos e a duração do trabalho temporário a um máximo de seis meses;
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Revogação do alargamento do período experimental para jovens a procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, introduzido em 2019;
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Combater o abuso no outsourcing, limitando legalmente a externalização de funções relativas ao objeto social central da empresa;
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Eliminar o intermediário na presunção de laboralidade nas plataformas digitais, impedindo as grandes empresas de continuar a descartar as suas responsabilidades patronais;
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Incentivar a criação de plataformas digitais públicas e cooperativas, designadamente na área dos transportes e das entregas;
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Limitar a utilização abusiva de estágios apoiados pelo IEFP, com reforço da fiscalização relativa aos falsos estágios e a estágios sucessivos para ocupar funções permanentes nas empresas.
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Atribuir à Autoridade para as Condições do Trabalho poderes para fiscalizar o cumprimento da legislação laboral por parte das autarquias;
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Reconhecer e enquadrar no Código do Trabalho o trabalho doméstico assalariado e o trabalho profissional de apoio domiciliário, amas de creche familiar e ajudantes familiares, pondo fim à discriminação que a lei estabelece e garantindo a mesma proteção social dos trabalhadores por conta de outrem.
Repor as férias, combater abusos nos despedimentos, direitos para os trabalhadores por turnos
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Devolver os três dias de férias retirados pela direita (regresso à norma dos 25 dias, sem depender de outro critério);
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Combater a facilitação dos despedimentos, com a reposição do valor das compensações por despedimento anterior à intervenção da troika (um mês por cada ano de trabalho prestado; em lugar dos atuais 14 dias) e impedindo despedimentos, exceto por justa causa, em empresas com resultados positivos no ano anterior;
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Eliminar a norma que obriga os trabalhadores, para contestarem despedimentos ilícitos, a abdicarem da compensação a que têm direito;
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Reconhecer mais direitos a quem trabalha por turnos, nomeadamente através de:
- consagração legal da obrigatoriedade de subsídio por turnos;
- maior acompanhamento médico;
- definição de pausas e tempos de descanso e fins de semana;
- participação dos trabalhadores e das trabalhadoras na definição das escalas de turnos;
- redução dos tempos de trabalho;
- majoração dos dias de férias;
- direito à reforma antecipada em proporção do tempo que se trabalhou por turnos.
Mais direitos na parentalidade e maior proteção social
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Alargar os direitos de parentalidade (licença inicial do pai, aumento da licença partilhada, redução de horário nos primeiros três anos de vida da criança), e os direitos de pais e mães de filhos com deficiência, doença crónica ou oncológica e para acompanhamento de pessoa dependente (licenças para os e as cuidadoras informais);
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Aumentar a percentagem do pagamento do Subsídio de Doença para garantir rendimentos substitutivos dos rendimentos do trabalho no período em que os trabalhadores se encontram doentes.
Mais democracia nas empresas
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Apoiar a constituição de comissões de trabalhadores nas empresas e locais de trabalho com um número igual ou superior a 50 trabalhadores, através de um serviço informado, a funcionar na DGERT, de apoio técnico às Comissões de Trabalhadores e ao exercício das suas funções e direitos.
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Promover a participação de representantes eleitos dos trabalhadores em órgãos de gestão das empresas com mais de 250 trabalhadores, com estatuto e direitos específicos, designadamente quanto às decisões estratégicas.
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Garantir a concretização da disposição constitucional que confere aos sindicatos o direito de participação na gestão das instituições de segurança social.
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Garantir que as empresas fornecem às estruturas representativas dos
trabalhadores i) toda a informação social da empresa e ii) os meios legais de comunicação eletrónica com todos os trabalhadores.