5. Como financiar a criação de emprego, o aumento do investimento e a reconversão energética
Com a maioria absoluta do PS o investimento público foi preterido. A obsessão com o excedente orçamental, a submissão à tecnocracia de Bruxelas e os gastos com o juro da dívida pública tiraram dinheiro ao SNS e à escola pública, a políticas de emprego, de habitação e de reconversão energética.
Com a reestruturação da dívida que o Bloco propõe é possível libertar mais de 2 mil milhões de euros para investimento público.
As medidas públicas incluídas neste programa exigem a reposição de um nível de investimento público estrutural de pelo menos 5% do PIB, ou de cerca de 13 mil milhões de euros, multiplicando o que tem sido praticado, além dos contributos comunitários que são limitados no tempo. Esse montante pode ser financiado por uma política orçamental prudente que responde às necessidades fundamentais identificadas neste programa: construção e reabilitação urbana, ferrovia e transportes públicos, infraestruturas de saúde.
O problema
A dívida externa é excessiva e é um risco para o país. No final de março de 2023, a posição de investimento internacional líquido de Portugal, que mede a sua dependência financeira externa, era de -193 mil milhões de euros, ou -74% do PIB. Melhor do que em março de 2014 em comparação com o PIB (-122% do PIB), mas ainda elevada. Segundo os dados de 2022, o grosso destes passivos são as administrações públicas (-101 mil milhões) e o valor que se agravou das sociedades não-financeiras (-146 mil milhões).
A dívida pública total era, em março de 2023, de 279 mil milhões de euros, ou 114% do PIB, na ótica de Maastricht. Assim, o juro da dívida pública pesa excessivamente: em 2023, a despesa de Portugal com juros foi de 3,9% do PIB, cerca de 5,9 mil milhões de euros, devendo-se agravar em mais 17%, ou 1003 milhões, em 2024. É necessário reduzir essa despesa.
O Bloco apresenta desde 2017 um plano de reestruturação que permitiria poupanças anuais acima de 2 mil milhões de euros e insiste nessa proposta. Essa será uma das componentes mais importantes para permitir a reposição do nível de investimento público que foi indicada.
A solução do PS e da direita
A solução que nos propõem é que Portugal se limite a ajustamentos ocasionais, ao mesmo tempo que recomendam garantias suplementares aos credores e agências financeiras. A maturidade residual média da dívida pública portuguesa é das maiores, mais de seis anos. Temos, portanto, uma dupla vulnerabilidade ao poder dos credores: uma dívida de longo prazo cara e um stock de dívida elevado.
Acresce que o governo PS tomou algumas medidas que agravam estes riscos. Na sequência de viagens do Primeiro Ministro e do Ministro das Finanças à China, foi anunciada a estranha decisão de emitir dívida pública em moeda chinesa, os panda bonds, apesar de o Estado se conseguir financiar a taxas de juro muito mais baixas em euros – uma decisão com motivos que parecem ser de ordem política e não económica ou financeira. A decisão tem impacto financeiro desfavorável para o país. O Estado não deve emitir dívida em moeda estrangeira, por regra.
Outra negociação conduzida pelo governo foi com o FMI: ao antecipar o pagamento desta dívida – o que se justificava considerando o juro elevado que envolvia -, o governo aceitou condições prejudiciais, como submeter próximas emissões de obrigações a prazos alargados, em vez de beneficiar dos juros negativos em prazos mais curtos.
Beneficiando sobretudo do programa de emissão monetária pelo BCE desde 2016, tanto o prazo médio de maturidade quanto o peso da dívida no PIB foram reduzidos. No entanto, perdeu-se a melhor oportunidade para uma política persistente de recompra de títulos, sobretudo quando Portugal emitia nova dívida com juros baixos e em alguns prazos negativos, o que teria gerado melhores resultados. A oportunidade perdida prejudicou as contas públicas nacionais: se em 2019, 2020 e 2021 a dívida era emitida com menos de 1% de taxa média de juro, era nesse momento que se devia ter avançado para um forte programa de recompra de dívida e sua substituição por títulos com juro baixo; não o tendo feito, em 2023 estamos mais vulneráveis à pressão dos mercados financeiros: o custo da dívida já subiu para taxas de 3,5%, o valor mais alto desde a troika. O tempo perdido foi má gestão orçamental.
O compromisso do Bloco: reestruturação da dívida para reduzir a despesa anual em 2 mil milhões de euros
O Bloco de Esquerda assinou com o Grupo Parlamentar do PS as recomendações do relatório do Grupo de Trabalho da Dívida Pública de abril de 2017, que teve a participação do ministério das Finanças. O Bloco mantém a sua palavra. Esse relatório propunha:
1) Medidas de ajustamento
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Reduzir a dimensão da almofada financeira das administrações públicas, concentrando fundos no Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP). Utilizar disponibilidades da almofada financeira para reduzir o nível de dívida pública em cerca de 10 pontos percentuais do PIB;
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Aumentar o nível de emissões de Bilhetes do Tesouro para reduzir a maturidade residual média da dívida pública portuguesa (foi em 2022 de 6,67 anos);
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Eliminar o conceito de provisões para riscos gerais do Banco de Portugal, através da alteração do seu plano de contas;
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Comprar permanentemente, no mercado, dívida do próprio Estado a preços mais baixos, manipulando o preço da dívida e assim influenciando a taxa de juro;
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Manter a política de redução das provisões do Banco de Portugal e entregar ao acionista (o Estado), sob a forma de dividendos, os lucros obtidos com a dívida pública portuguesa e redistribuídos pelo BCE.
Todas estas medidas permitiram um choque imediato no peso da dívida pública.
2) Regras estruturais para a operação do IGCP
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Exigir a apresentação de cenários alternativos ou decisões alternativas e apresentação dos cálculos do valor atual líquido das operações de gestão de dívida, recorrendo a taxa de desconto adequadas;
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Não realizar emissões de dívida em moeda estrangeira;
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Obrigar ao depósito dos fundos do IGCP no Banco de Portugal.
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Definir o plano de contingência para situações de instabilidade e pânico no mercado de dívida pública português. Em situação de crise financeira, deve vender ativos estrangeiros (e.g., títulos de dívida pública de países da zona euro ou dívida dos EUA) e utilizar os fundos para recomprar dívida pública a desconto.
A gestão da dívida deve ser mais prudente e eficiente, recusando operações custosas e de efeito político duvidoso.
3) Um programa ousado de amortização e troca de títulos de dívida
O Banco de Portugal tem cerca de 3677 milhões de euros de provisões acumuladas. Parte significativa deste valor, que é excessivo face aos riscos cobertos, deve ser distribuída ao acionista na forma de dividendos e usada para amortizar imediatamente o stock da dívida pública.
4) Reestruturação da dívida
A proposta apresentada pelo grupo de trabalho, com a assinatura do Bloco (e também do PS, que depois disso a ignorou), definia então uma reestruturação da dívida pública portuguesa detida por instituições oficiais, com a redução da taxa de juro para 1% e um prazo de 60 anos, com um efeito de abatimento do valor atualizado do stock da dívida em cerca de 52 mil milhões de euros e uma redução da despesa em juros em cerca de 700 milhões de euros por ano.
Conjugada com as restantes medidas atrás enunciadas, estas propostas melhorariam a balança de rendimentos em 2228 milhões de euros em 2020 e, na atualidade, em mais de 2500 milhões de euros.
Segundo as projeções dessa proposta, seria possível uma negociação ainda mais ambiciosa, por exemplo para se alcançar uma redução de 37,5 pontos percentuais do rácio da dívida pública, com uma taxa de juro de referência de 0,5% e um prazo alargado a 90 anos. O nível da dívida externa líquida reduzir-se-ia então para 71,6% do PIB. E, se devido ao erro da política orçamental, não se avançou nesse sentido, aproveitando o tempo em que os juros baixos facilitavam este processo, vai ser necessário no futuro próximo conseguir esta poupança para Portugal.
SIM, É POSSÍVEL
A Islândia nacionalizou em 2008, no início da crise financeira internacional, um banco falido, o Landsbanki. Mas não incluiu o seu ramo estrangeiro, Icesave, pelo que muitos depósitos, em particular de residentes na Holanda e Reino Unido, que tinham utilizado aquele banco na expectativa de juros e benefícios elevados, foram perdidos. A Holanda e o Reino Unido exigiram então uma compensação para esses depositantes, e o primeiro-ministro inglês chegou mesmo a utilizar a legislação anti-terrorista para confiscar bens islandeses.
Mas a Islândia decidiu usar o controlo de movimentos de capitais e recusar aquele pagamento. Para os e as contribuintes islandeses, não fazia sentido aceitar como dívida pública os prejuízos de bancos privados e sacrificarem-se com um aumento de impostos para pagar a conta. Houve então um referendo e a população decidiu rejeitar o pagamento e não reconhecer aquela dívida. A Islândia foi mesmo o único país em que banqueiros foram julgados e presos.
O Tribunal Europeu recebeu um apelo dos governos holandês e britânico no sentido de impor a punição e o pagamento à Islândia e rejeitou-o. Este é um exemplo de como o público pode rejeitar o pagamento de uma dívida privada.
Uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça, em novembro de 2018, comprovou que um Estado pode, se necessário, proceder a cortes unilaterais a dívida que esteja sob alçada da jurisdição nacional, sem que seja possível recorrer a tribunais internacionais como sede de resolução do conflito com os credores. Fica, portanto, confirmado que, se uma reestruturação de dívida pública sob jurisdição nacional não é alcançada por acordo, existe o direito legal da sua imposição pelo Estado.
5) A dívida portuguesa detida pelo BCE
O BCE e o Banco de Portugal são detentores de um stock importante de dívida pública e privada portuguesa, obtida sobretudo no âmbito do programa de compra alargada de ativos durante o período do programa de expansão monetária do BCE.
A regra permanente que Portugal deve agora propor é que o BCE fique obrigado a novas compras que reponham este stock sempre que os títulos cheguem à sua maturidade. A não renovação automática deste stock teria efeitos perigosos nos juros a pagar por novas emissões de dívida pública.