11. Escola Pública, Pilar de Igualdade
Acresce que os pressupostos liberais invadiram as políticas educacionais, centradas nos resultados estatísticos, no individualismo e na meritocracia, numa lógica mecânica e estritamente técnica. Quando falamos de escola pública universal de qualidade temos de falar de um projeto de todas e de todos, que acolha a diversidade e combata as desigualdades; de um modelo educativo que, em vez de reproduzir e ampliar diferenças sociais, seja um impulso para uma escola verdadeiramente inclusiva, de aprendizagem cívica, ecológica, contra qualquer discriminação.
Contratar professores e assumir que o seu tempo de serviço é para ser reposto já são dois dos compromissos do Bloco de Esquerda, assim como a gratuitidade do ensino, com materiais gratuitos, e a democratização da escola.
11.1 Investir numa Escola inclusiva, moderna e democrática
A despesa pública em Educação em Portugal continua muito longe dos 6% do PIB preconizados pela UNESCO e pela OCDE. Mesmo com o pré-escolar e com o ensino superior, perfaz 4,3% apenas. Depois de atingir 4% no início do século XXI, está agora em valores semelhantes aos da década oitenta do século XX.
De acordo com um estudo encomendado pelo Governo, será necessário contratar pelo menos 34.500 novos professores até 2030. Em 2023 reformaram-se cerca de 3500 professores, milhares de outros foram abandonando o ensino ao longo dos anos por desmotivação e cansaço de pagar para trabalhar e não ver reconhecimento pelo valor da sua profissão. Falta quem os substitua.
Um maior investimento na Escola Pública passa também pelo reforço e valorização dos quadros de trabalhadores não-docentes, nomeadamente restabelecendo a carreira de técnico auxiliar de ação educação.
Recuperação de todo o tempo de serviço e valorização da carreira docente: compromissos de sempre do Bloco de Esquerda
Há anos que os professores e os educadores de infância lutam pela valorização da sua carreira, uma luta que é parte integral da defesa da Escola Pública. O fim da precariedade, a compensação aos professores deslocados e a recuperação total do tempo de serviço cumprido pelos docentes durante o congelamento 2011-2017 são causas justas dessa luta. Em 2019, PS e PSD chumbaram a recuperação integral do tempo de serviço proposta pelo Bloco. Desde então, sempre que o Bloco apresentou propostas de recuperação do tempo de serviço e de valorização da carreira, o Governo PS manteve essa recusa.
Desde o início do ano letivo 2022/2023, os profissionais da educação têm realizado uma nova vaga de greves e protestos. Conquistaram algumas vitórias. No entanto, persistem vários problemas. Desde logo, o processo de vinculação criou uma chantagem para obrigar os professores a concorrer a todo o país, o que é inaceitável. Também o Decreto-lei n.o 74/2023, de 25 de agosto, que incide sobre a progressão na carreira, ficou muito aquém do necessário, ao deixar de fora a recuperação integral do tempo de serviço. Manteve desta forma uma desigualdade entre os docentes do Continente e os docentes das Regiões Autónomas, os quais, justamente, já recuperaram o seu tempo de serviço para progressão na carreira.
O Bloco defende que o Governo tem de fazer uma negociação séria com os representantes dos docentes para encontrar novas medidas de valorização da carreira. Estas são cinco das mais urgentes:
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Recuperação de todo o tempo de serviço;
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Reposicionar todos os professores na carreira a partir da contagem integral do tempo de serviço, tendo como único critério o tempo de serviço e a graduação profissional;
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Programa de vinculação extraordinária de docentes precários e alteração das regras da vinculação dinâmica, eliminando, a obrigatoriedade de concorrer ao país inteiro;
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Respeito pela graduação profissional e pelo direito à progressão na carreira, com eliminação das quotas de acesso aos 5º e 7º escalões;
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Alteração dos intervalos horários e mais direitos para os horários incompletos;
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Criação de um regime de compensação a docentes deslocados;
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Melhoria da formação inicial e contínua, bem como alteração do sistema de avaliação de desempenho, da sua subjetividade e injustiças;
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Considerar todas as tarefas docentes exclusivamente como componente letiva e terminar com a designação de componente não letiva;
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Igualdade de horários para todos os docentes e recuperação dos horários de 22 horas, assim como os cálculos por tempos em vez de minutos;
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Direito à reinscrição na CGA dos docentes que já foram subscritores e saíram por motivos de desemprego.
Menos qualificações não é resposta para a falta de professores
O recurso massivo a trabalhadores não profissionalizados para dar aulas, isto é, apenas com as chamadas habilitações próprias, bem como a estagiários e a jovens sem licenciatura completa, coloca em risco a qualidade do ensino.
No ano letivo 2023/24, o número de docentes com habilitação suficiente triplicou. São já 16% dos professores em funções. A formação pedagógica destes profissionais é essencial para assegurar a qualidade do ensino num período de acentuada carência de professores com habilitação própria.
O Bloco propõe:
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Aos professores não profissionalizados devem ser proporcionadas a profissionalização em serviço ao cabo de 1095 dias de serviço, seguido ou intercalado, e a frequência de 50 horas de formação pedagógica, ministrada pelos centros de formação de referência da respetiva escola/ agrupamento ou pelas universidades onde existem mestrados de ensino, cujo número de vagas deve ser adequado às presentes necessidades;
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As pessoas colocadas em escolas com estatuto de técnico especialista para formação e que exercem funções docentes, passam a ser remuneradas pela tabela dos vencimentos dos docentes do ensino público e integradas no respetivo grupo de recrutamento de acordo com o Estatuto da Carreira Docente, sendo igualmente abrangidos pela vinculação dinâmica, pondo fim à precariedade existente.
O aumento exponencial do investimento em educação tem de ser acompanhado de mudanças profundas nas políticas. O sistema educativo tornou-se numa manta de retalhos, avulsa e incoerente, marcado pela agenda neoliberal e pela escassez de recursos. É fundamental a diminuição do número de alunos e alunas por turma e o alargamento da gratuitidade dos materiais escolares.
Ficaram por tomar, por recusa do PS, medidas tão importantes como a democratização do modelo de gestão, o reforço da autonomia das escolas, a revisão dos programas e do modelo de avaliação, a criação de um programa de rejuvenescimento do corpo docente.
De igual modo, para promover uma educação inclusiva, é necessário reforçar as escolas com mais pessoal técnico, nomeadamente, profissionais da psicologia, terapeutas, mediadores e mediadoras, animadores e animadoras culturais, tutores e tutoras, entre outras pessoas, para trabalharem em conjunto com todas as comunidades e com todos os alunos e alunas, tendo ou não diversidade funcional.
Programa Especial de Rejuvenescimento do Corpo Docente
As propostas do Bloco:
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Regime temporário de antecipação da aposentação das professoras e professores com idade próxima da reforma (medida de adesão voluntária e que deve incluir a possibilidade de reconversão de tempo de serviço ainda não contabilizado em antecipação da reforma);
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Incentivo à contratação e vinculação dos docentes contratados e contratadas. Desta forma é possível gerir a renovação geracional, evitando a saída abrupta de metade do corpo docente e acautelando a entrada atempada de novos professores e professoras.
Pede-se hoje à Escola quase tudo e não se pode exigir menos: que seja espaço de aprendizagem para a cidadania, para a liberdade, para os conhecimentos técnicos e científicos atuais, para a cultura, a arte e o des- porto e que garanta condições de igualdade. Não há escola inclusiva sem uma política educativa que trabalhe esse objetivo.
Uma verdadeira educação inclusiva passa, entre outros aspetos, por uma educação antirracista, uma educação sexual sem preconceitos, uma educação laica, aberta à diversidade cultural e de capacidades, e que promo- va o sucesso e a participação de todas as crianças e jovens.
Isso será impossível sem a participação de docentes e não docentes na organização da escola, sem um processo de reforma curricular participado por toda a comunidade educativa, sem a valorização de todo pessoal que trabalha na Escola e o respeito pelos e pelas estudantes. Até práticas pedagógicas inovadoras, como o programa de autonomia e flexibilidade curricular e a introdução de aprendizagens essenciais, esbarram na continuidade de programas extensos e obsoletos, metas curriculares inalcançáveis, um modelo de avaliação obcecado por exames e na desarticulação entre os novos modelos desejados e a ausência de alterações significativas na formação de professores.
É urgente uma coerência curricular que respeite a autonomia das escolas, dos professores e dos alunos, mas também que não despreze o conhecimento, as humanidades, a arte e o desporto. A escola deve adaptar-se ao mundo que a rodeia e às necessidades sociais, mas não da forma que a direita pretende, tornando-a num apêndice do centro de emprego. É urgente que a escola esteja baseada numa prática democrática, em que haja maior participação de alunos, professores, restantes profissionais e encarregados de educação.
Uma Escola Democrática
Defendemos a aposta num modelo de gestão democrático. A revisão da legislação sobre gestão escolar e do estatuto do aluno são prioridades para o Bloco de Esquerda. Defendemos um modelo com maior participação de alunos, professores e funcionários, e onde não sejam esquecidos os encarregados de educação e toda a comunidade em que a escola se insere.
Investir no Ensino Profissional
É necessário repensar o modelo atual do ensino profissional. O Ensino Profissional tem vindo a formar técnicos em diferentes áreas, num esforço digno de registo. É também uma via que precisa de ser mais valorizada, pois é frequentemente votada a uma segunda escolha ou, pelo contrário, via única para alunos de meios socialmente mais desfavorecidos. Torna-se, por vezes, um meio de reprodução de desigualdades sociais, quando poderia dar um contributo mais efetivo para o progresso social. Acresce que a escolha de um curso profissional para os jovens que concluem o 9.o ano está fortemente condicionada à oferta autorizada pelo Ministério da Educação na sua área de residência. Os ciclos de formação dos mesmos cursos repetem-se nos mesmos locais, mesmo quando os interesse dos alunos e o entorno comercial e industrial da região onde o Agrupamento se insere já aconselham a aposta em novas ofertas.
O Bloco propõe:
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Revisão das matrizes curriculares dos cursos profissionais, com contributos de profissionais ligados às áreas de formação, e reformulação da formação em contexto de trabalho;
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Apoiar os alunos que queiram frequentar cursos profissionais que não existam na sua área de residência habitual, nomeadamente através de alojamento estudantil.
A escola que prepara para o futuro não é compatível com modelos pedagógicos antiquados, expositivos, decorrentes do elevado número de alunos por turma e da necessidade de formar e treinar para exames.
Há ainda um longo caminho pela frente até a escola pública conseguir eliminar o abandono escolar, baixar as taxas de retenção e assegurar a possibilidade de terminar a escolaridade obrigatória garantindo igualdade de oportunidades. Se os manuais escolares gratuitos foram um primeiro passo, é necessário, agora, reforçar a ação social escolar e dotar as escolas com as melhores condições de aprendizagem possíveis. É imprescindível acabar com os exames em todos os ciclos de ensino e separar a conclusão do secundário do acesso à universidade.
Por fim, não pode haver educação inclusiva que não responda à persistência do analfabetismo e das baixas taxas de escolarização em Portugal. Há ainda 500 mil pessoas analfabetas no país. Sobretudo nos meios rurais e entre as mulheres. Do mesmo modo, no quadro da Educação Permanente e do direito à escolaridade, é fundamental assegurar que os adultos que abandonaram a escola precocemente, tenham a possibilidade de completar os doze anos de escolaridade.
As propostas do Bloco:
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Abertura de um processo de reforma curricular e revisão de programas, com a participação de professores e professoras, estudantes, academia e organizações da sociedade civil mais relevantes em cada área, envolvendo o ensino superior para assegurar a necessária reforma na formação de docentes;
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Plano de investimento na Educação que vise alcançar a meta de pelo menos 6% do PIB;
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Redução do número de alunos por turma;
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Recuperação do tempo de serviço, vinculação extraordinária de docentes contratados sem obrigação de concorrer a todo o país, incluindo os professores contratados como “técnicos de formação para a docência”, e valorização de carreira docente (ver caixa);
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Valorização profissional e reforço do número de trabalhadores não-docentes nas escolas, através da criação de uma carreira de técnico auxiliar de educação, da revisão das tabelas salariais e da portaria de rácios;
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Alargamento do ensino articulado e das respostas públicas de ensino artístico;
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Investir no ensino profissional enquanto fator de qualificação (ver caixa);
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Reforço do número de psicólogos escolares para atingir o rácio de um psicólogo/a por cada 500 alunos e alunas;
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Revisão da organização dos ciclos e do calendário escolar;
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Gratuidade dos materiais escolares, inclusive os materiais do ensino artístico;
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Revisão do estatuto do aluno e da aluna para valorizar participação e direitos;
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Reforço da ação social escolar e materiais pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos com necessidades educativas específicas;
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Adoção de medidas de promoção do uso saudável de tecnologias nas escolas.
Limitar o uso de smartphones nas escolas
O aumento da exposição, durante grandes períodos de tempo, de crianças e de jovens aos ecrãs dos smartphones e dos tablets tem motivado grandes preocupações por parte dos profissionais da saúde e dos especialistas em educação.
Conforme alertou a UNESCO em 2023, os estudos mais recentes, focados nas crianças e nos usos de ecrã para lazer, apontam para uma forte associação entre o tempo de uso de tablets/smartphones e perturbações do humor, ansiedade, uso problemático das redes sociais, vício do jogo e a outros usos negativos dos smartphones. O aumento do tempo passado ao ecrã reduz o tempo de socialização entre pares e a prática de outras atividades importantes para o desenvolvimento pessoal e social das crianças e dos jovens.
Em 2017, a Escola EB 2/3 António Alves Amorim, de Santa Maria da Feira instituiu a proibição do uso de telemóveis no espaço escolar. O objetivo era aumentar a socialização e evitar situações de cyberbullying. O sucesso desta experiência e iniciativas como a petição “VIVER o recreio escolar, sem ecrãs de smartphones!”, que reuniu mais de 22 mil assinaturas, levaram a que outras escolas seguissem este exemplo. É preciso criar enquadramento legal, orientações e envolver as comunidades educativas na promoção do uso saudável das tecnologias, de forma adequada às idades.
- O Bloco propõe a alteração do estatuto do aluno com vista a:
- para os alunos do 1.o e do 2.o ciclos do ensino básico, estender aos períodos de intervalo as restrições ao uso de smartphones que se aplicam nas horas letivas;
- para os restantes alunos, promover, em sede de regulamento interno, a regulação dos usos de equipamentos tecnológicos, ouvindo obrigatoriamente as associações de encarregados de educação e de estudantes;
- Produzir orientações para o uso saudável de tecnologias nas escolas, diferenciado por faixas etárias, sobre limites à utilização de telemóveis e outros equipamentos de comunicações;
- Definição da política de materiais pedagógicos com base nos conhecimentos mais avançados sobre a exposição das crianças e dos jovens aos ecrãs.
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Gratuitidade de equipamentos informáticos e de acesso a rede de internet;
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Reforço das bibliotecas escolares;
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Valorização do ensino profissional com garantia de ensino unificado até 9.o ano;
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Reforço das respostas de educação inclusiva nas escolas, com recursos humanos adequados, nomeadamente docentes especializados, assistentes operacionais com formação e dedicados, contratação direta de equipas técnicas e alargamento da rede de unidades especializadas;
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Dotar as escolas de meios humanos e recursos materiais que permitam o acolhimento e a integração escolar de filhos de migrantes, independentemente do país de origem, de acordo com as necessidades decorrentes da diversidade linguística e cultural e de fatores socioeconómicos;
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Revisão do modelo de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), Componentes de Apoio à Família (CAF) e Atividades de Animação de Apoio à Família (AAF) de modo a valorizar as atividades lúdicas, combatendo a sua excessiva curricularização e a precariedade dos víncu- los dos profissionais;
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Inclusão da formação artística no currículo escolar do 1° Ciclo do Ensino Básico;
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Gestão pública das cantinas escolares com produção local e circuitos curtos de abastecimento;
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Reversão da municipalização e novo modelo de descentralização com base na autonomia das escolas;
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Recuperação de um modelo de gestão democrático e fim dos mega-agrupamentos;
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Apoiar a participação dos jovens e das associações estudantis numa política de decisão partilhada, como princípio democrático;
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Fim das provas nacionais do 9.o ano;
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Realização das provas de aferição por amostragem em que a avaliação incida sobre o sistema educativo;
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Revisão do programa escola a tempo inteiro;
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Criar respostas e recursos efetivos de apoio aos alunos Português Língua não Materna, que devem beneficiar de um momento propedêutico para aquisição da língua portuguesa;
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Dotar as escolas de respostas diferenciadas efetivas, como as Unidades Especializadas, equipas multidisciplinares, e formação contínua de docentes e não docentes neste âmbito, que permitam uma educação inclusiva independente da severidade das barreiras funcionais ou de- senvolvimentais;
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Criação, na escola pública, de cursos pós-laborais dirigidos aos adultos que pretendam melhorar a sua escolaridade;
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Adoção de uma estratégia descentralizada de erradicação do analfabetismo;
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Desenvolver um programa integrado de educação/formação ao longo da vida.