15. Cultura
Contratos para os profissionais, estabilidade para criar e um orçamento de pelo menos 1% do PIB: essas são algumas das prioridades do Bloco.
A política pública para a Cultura tem a responsabilidade de promover a criação e fruição culturais de toda a população e de contribuir para o rompimento da padronização e mercadorização da cultura. Assim, ao Estado cabe garantir os recursos para preservar, estudar e divulgar o património comum, para promover a criação artística, para sustentar redes de equipamentos que garantam o acesso à cultura e divulguem as artes em todo o território. Só assim se combate a concentração dos meios de produção culturais que, pelo seu poder simbólico, além do económico, precisam de ser democratizados.
As condições de trabalho nos setores da cultura são um elemento central da política cultural. Nos anos da pandemia, assistimos a uma tomada de consciência e uma capacidade de organização coletiva do setor sem precedentes. Como nunca antes, juntaram-se pessoas na luta contra as mesmas dificuldades: baixos salários, falso trabalho independente, falso outsourcing, abuso de direitos laborais e ausência de proteção social. Foi esta mobilização que fez a pressão necessária para a criação do Estatuto dos Profissionais da Cultura, cuja definição têm sido o campo da disputa da dignidade do trabalho no setor.
Contudo, e depois de um início de vigência da lei conturbado, 2023 terminou sem que o governo fizesse a necessária revisão do Estatuto. Uma revisão que estava prevista para o final dos primeiros dois anos de vigência da lei e para a qual o governo tinha todas as condições necessárias. O PS preferiu nem sequer encetar debate sobre o que é necessário corrigir na lei, para que esta possa, efetivamente, levar à melhoria das condições de trabalho e da proteção social de centenas de milhares de trabalhadores dos setores da cultura.
Faltam mecanismos de imposição do cumprimento da legislação laboral, de promoção do contrato de trabalho e combate aos falsos recibos verdes, e um regime de proteção no desemprego que enquadre todas as pessoas e tenha regras mais simples, justas e adequadas às especificidades de todos os tipos de trabalho na cultura. Nomeadamente, o regime especial deve abranger todas as pessoas que trabalham na área da cultura e não apenas uma parte, deve ser repensado o seu caráter facultativo e devem ser sempre englobadas todas as contribuições à segurança social para o apuramento das proteções. Além da urgente revisão desta lei, é necessária a imposição de mais instrumentos de combate à precariedade nas grandes instituições culturais públicas ou com financiamento público. Não é admissível que museus ou teatros nacionais não cumpram a legislação laboral, nomeadamente recorrendo a falso outsoursing ou recibos verdes, como acontece com assistentes de sala e outros profissionais fundamentais.
A proteção social que o governo definiu no Estatuto dos Profissionais da Cultura fica muito aquém das expectativas e das necessidades. Ao contrário do prometido, o novo apoio no desemprego exclui uma parte importante dos trabalhadores e não responde à condição intermitente.
A desregulação laboral e a desproteção social dos trabalhadores é um dos problemas estruturais do setor cultural, mas não o único. Neste século assistiu-se a uma estagnação nas políticas públicas para a Cultura, tanto orçamental como teórica, com as suas atividades nucleares – património, arqueologia e artes – convertidas em adereço promocional da iniciativa turística e imobiliária.
Faltaram políticas públicas de democratização ao acesso à cultura, do património à criação artística, e agravou-se a mercantilização e concentração da produção, edição e distribuição (controlo do mercado livreiro pelas grandes editoras, salas de cinema sob monopólio da NOS, ausência de salas públicas com dimensão e características técnicas para concertos).
O extenso património português classificado pela UNESCO como Património Cultural Mundial, seja material ou imaterial, está sem a devida monitorização e o Ministério da Cultura não desenvolveu planos específicos para a sua preservação. No Programa Revive, o Ministério da Cultura assumiu-se como sucursal do Ministério da Economia para a política turística, fazendo letra morta da Lei de Bases do Património Cultural, abdicando de garantias de acesso ao património classificado agora concessionado. A exceção foi o lançamento do Museu Nacional Resistência e Liberdade, no Forte de Peniche, que, em 2017, foi salvo pela indignação pública do projeto de transformação em unidade hoteleira. A atualização de sistemas de inventário e arquivo, a promoção da investigação ou o trabalho em rede dos equipamentos culturais foram pura e simplesmente esquecidos.
Nos últimos oito anos, os únicos avanços na democratização cultural do país foram alcançados por proposta do Bloco de Esquerda e no período 2015-2019: aumento da oferta em sinal aberto da Televisão Digital Terrestre, redução do IVA para espetáculos e criação da Rede de Teatros e Cineteatros. Esta rede, uma proposta em que o Bloco de Esquerda insistiu durante mais de uma década, começa agora a fazer caminho. Em 2023, foi também por proposta do Bloco, que se garantiu a quota de 30% de música portuguesa nas rádios e outros serviços de programas de radiodifusão sonora.
No pós-pandemia, a reabertura de espaços ou o fim das limitações que foram impostas a atividades culturais, por si só, não resolvem os problemas que a pandemia tornou mais visíveis. A desregulação laboral e a desvalorização das profissões do setor mantêm-se e a fragilidade económica das instituições agravou-se. À precariedade e subfinanciamento crónicos, juntou-se a pressão imobiliária que tem vindo a determinar o encerramento de muitos espaços culturais. Uma nova política de rendas, também para o setor da cultura, é um dos passos fundamentais para garantir espaços culturais e diversidade de oferta em todo o território. Esse caminho, deve ser feito juntamente com os municípios, que são os principais investidores na cultura. O caminho de articulação entre Estado central e autarquias, de que a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses é exemplo, deve ser aprofundado. Mais equipamentos devem ser dotados com os meios necessários para se tornarem polos culturais de portas abertas, que além de uma oferta cultural diversificada, funcionem como centros de recursos culturais para usufruto das populações (com ateliês, estúdios, salas, formação artística, etc.)
No património assinalamos duas decisões importantes: a recuperação de uma tutela autónoma para os museus e monumentos e o investimento, via PRR, na recuperação de património. Estas decisões, contudo, não escondem a precariedade estrutural que se mantém. Falta regulamentação, falta recuperar a autonomia de cada instituição, falta preencher os quadros de pessoal, falta a garantia de financiamento para o funcionamento e trabalho quotidiano na área do património. Falta estratégia e falta compromisso.
1% para a Cultura!
A promessa do PS de investir 2% da despesa em Cultura rapidamente se revelou um logro. O investimento do Orçamento do Estado, excluindo RTP, fica-se pelos 0,19% do PIB, valor muito abaixo do recomendado pela UNESCO. O Bloco mantém o compromisso e exigência de 1% do PIB para a Cultura. Esta meta não impõe um valor absoluto de investimento, mas a escolha sobre a distribuição da riqueza do país.
O Ministério da Cultura limitou-se à gestão corrente de recursos mínimos, cujas cativações impediram que as pequenas melhorias aprovadas em sucessivos orçamentos vissem a luz do dia. As alterações testadas ficam muito aquém das necessidades e a política cultural mantém-se subalternizada face a outras agendas.
O Bloco de Esquerda avança com um programa para romper com a precariedade do setor e dar centralidade ao direito constitucional de acesso à Cultura:
As propostas do Bloco:
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Alteração do Estatuto dos Profissionais da Cultura, com medidas concretas para a promoção de contratos dos trabalho e combate à precariedade – em especial ao falso trabalho autónomo – , mais apoio à reconversão nas profissões de desgaste rápido e universalização do acesso à proteção social na intermitência;
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Programa de combate ao trabalho informal, com responsabilização das entidades patronais e possibilidade de reconstituição de carreiras contributivas;
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Vinculação dos trabalhadores precários dos organismos públicos e autonomia de contratação das instituições públicas para preenchimento dos lugares de quadro vazios;
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Garantia do cumprimento da legislação laboral, nomeadamente a celebração de contratos de trabalho, nos protocolos e programas de financiamento público a instituições e projetos culturais;
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Garantir a atribuição, pela segurança social, em tempo útil, do subsídio por suspensão da atividade cultural;
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Criação de uma plataforma online com recursos e materiais úteis aos trabalhadores da cultura, como legislação laboral, informação sobre proteção social e fiscalidade, minutas de contratos, documentos de boas práticas e contactos úteis;
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Programa excecional de recuperação do tecido cultural com apoio à retoma de atividade de micro e pequenas empresas e de associações, agentes e produtores, salas de espetáculos e outros espaços culturais de pequena dimensão, incluindo apoios à renda;
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Inscrição no Orçamento do Estado a dotação de 1% do PIB para a Cultura;
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Criação de uma Lei de Bases da Cultura que redefina o papel do Estado na democratização e universalização dos serviços públicos de Cultura, reorganizando legislação e reativando e redes existentes, como a Lei Quadro dos Museus Portugueses, a Lei de Bases do Património Cultural, a Rede Nacional de Bibliotecas e a Rede de Teatros e Cineteatros;
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Reativação do Observatório das Atividades Culturais como organismo do Ministério da Cultura e redefinição do Conselho Nacional de Cultura como local de pensamento estratégico das políticas públicas de cultura, nomeadamente garantindo a autonomia da secção de património e extinguindo a secção de tauromaquia;
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Financiamento plurianual dos equipamentos públicos (museus, teatros nacionais, biblioteca e arquivo nacionais), das orquestras regionais e das entidades privadas que contratualizam serviço público com o Estado; concursos, protocolos e financiamento em prazos compatíveis com a programação; transparência e simplificação dos respetivos procedimentos;
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Regulamentação das alterações na tutela do património e efetivar a aplicação da Lei da Autonomia e Monumentos;
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Recuperação dos laboratórios de conservação e restauro, dotando-os dos meios necessários e salvaguardando o saber acumulado durante décadas nesta área;
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Definição de estratégias diferenciadas para os usos de interesse público do Património;
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Promoção dos Arquivos Nacionais, com garantias de autonomia, meios adequados e política de novas incorporações para a Torre do Tombo e para o Arquivo Nacional das Imagens em Movimento e com a concretização do Arquivo do Som;
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Programa de salvamento e valorização de arquivos e inventários do Património Cultural Português material e imaterial;
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Criação de um Observatório de Monitorização do património português classificado como Cultural da Humanidade, composta maioritariamente por entidades não governamentais;
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Identificação, classificação e promoção dos sítios representativos do Património Cultural Imaterial da Humanidade, incluindo linhas de apoio a artesãos, casas de fado, sedes da prática coletiva do cante alentejano e outras coletividades que mantêm vivo o património imaterial classificado;
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Reforço dos meios da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas e da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares e das bibliotecas de investigação (Biblioteca Nacional, Biblioteca da Ajuda, Biblioteca da Academia das Ciências, entre outras), garantindo quadros de pessoal e políticas de aquisições e sensibilização de públicos adequados à sua missão;
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Revisão da Lei do Preço Fixo do Livro, combatendo a concentração do mercado livreiro e promovendo mecanismos de apoio a livrarias e editoras independentes;
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Definição da missão do Fundo de Fomento Cultural e estabelecimento de mecanismo de transparência nos protocolos com as fundações financiadas (Serralves, Casa da Música, Museu Berardo, entre outras);
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Aumento significativo e diversificação do financiamento à criação artística e aos projetos de difusão da criação artística, considerando redes de programação e áreas que têm sido marginalizadas nos programas de financiamento (literatura, música e artes plásticas, entre outras); novas linhas de financiamento (artistas jovens, projetos artísticos nas escolas, entre outras); mecanismos de coesão territorial na distribuição do financiamento;
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Aumento progressivo da linha de financiamento à programação dos equipamentos da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses e criação de outras linhas de financiamento associadas à RTCP, para formação profissional, aquisição de equipamentos, medidas de sustentabilidade energética, entre outras;
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No cinema e audiovisual, a par com o reforço do financiamento, combate ao monopólio na distribuição, criando uma entidade pública de distribuição que permita estruturar o acesso de cineteatros públicos e cineclubes à produção cinematográfica nacional e internacional;
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Criação de novas obrigações para operadoras e distribuidoras cujo modelo de negócio assenta nos conteúdos culturais, incluindo quotas para a produção musical e audiovisual portuguesa independente, fim da taxa da cópia privada, promoção da organização coletiva dos direitos dos autores, artistas e intérpretes, sem prejuízo da decisão individual sobre a disponibilização das suas obras;
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Imposição de mecanismos de justa retribuição aos autores, artistas e intérpretes na transposição das directivas relativas a direitos de autor e direitos conexos em streaming e no Mercado Único Digital;
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Assunção da RTP como parceiro privilegiado da cultura, com reforço dos meios e obrigações da rádio e televisão públicas na produção e difusão culturais. Articulação entre o Arquivo da RTP e a Cinemateca/ ANIM para o acesso dos criadores aos arquivos e para a criação de um arquivo de som e imagem da produção artística;
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Promoção da presença das artes na vida pública e na Escola, defesa do ensino e práticas artísticas, promoção da literacia da leitura e outras, incluindo a literacia para a imagem e novos media, reforço de políticas culturais de proximidade através de contratos locais de parceria entre equipamentos culturais, sociais, escolas e outros;
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Promoção da produção e fruição da cultura: presença de produção nacional na web, com disponibilização gratuita de todas as obras nacionais em domínio público, descriminalização da partilha não comercial, programa estratégico para arquivos, definição de critérios de coleção, preservação, documentação, digitalização e acesso público;
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Criação de um plano de visibilização, fomento e mediação dirigido a manifestações culturais de comunidades minoritárias;
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Garantia do acesso pleno a pessoas com diversidade funcional a equipamentos culturais, apoio à interpretação em língua gestual portuguesa nos espetáculos ao vivo e à produção de versões em braille ou em áudio dos materiais impressos;
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Política de preços que garanta o direito de acesso aos equipamentos culturais: programas de acesso livre para estudantes, desempregados e reformados, bilhetes de família a preços acessíveis e dias de acesso gratuito.