20.2. Racismo, precariedade e desemprego
Empurradas para a periferia dos centros urbanos ou para os arredores das localidades do interior, as comunidades racializadas, sobretudo negras e ciganas, são desproporcionalmente afetadas por processos de segregação territorial que as tornam mais vulneráveis ao isolamento, à exclusão social, à precariedade habitacional, à falta ou dificuldade de acesso a serviços públicos de qualidade (transportes, educação, saúde, respostas sociais, etc.), a violentos processos de despejo e demolição das suas casas e à criminalização dos territórios que habitam, estigmatizados como “bairros problemáticos” e sujeitos a um permanente estado de exceção.
As comunidades racializadas estão também sujeitas a maior precariedade laboral, taxas mais elevadas de desemprego, a sub-representação em profissões qualificadas e sobre-representação em profissões menos valorizadas socialmente e com pior remuneração Tudo isto é acompanhado de uma taxa de encarceramento claramente superior à média, num retrato cru da realidade do racismo estrutural.
Dados do INE relativos à população com origem nos países africanos já mostravam a sobre-representação nas profissões menos qualificadas, salários inferiores e taxas de desemprego duas vezes mais altas. O estudo mais recente, focado na questão etnorracial, vem ilustrar os aspetos relativos ao desemprego e às condições de vida.
Na educação, persistem práticas como a existência de turmas exclusivamente constituídas por alunas e alunos ciganos, afrodescendentes ou descendentes de migrantes, taxas mais elevadas de retenção no ensino básico e secundário e de encaminhamento para cursos profissionais para estudantes nacionais dos países africanos de língua oficial portuguesa, condicionando a frequência do ensino superior, ao qual esses alunos e alunas acedem cinco vezes menos do que os e as estudantes com nacionalidade portuguesa. A isto acresce a quase total ausência de docentes e dirigentes escolares pertencentes a grupos racializados e a inexistência de programas de ensino multilingue que incluam as línguas das comunidades de origem, bem como a persistência de uma visão eurocêntrica nos currículos e nos manuais escolares, que frequentemente perpetuam estereótipos e invisibilizam o conhecimento produzido e reproduzido por sujeitos racializados.
Desmantelar o edifício que sustenta o racismo é um imperativo de um projeto socialista do século XXI e requer, desde logo, o reconhecimento de que ele existe e se intersecta, mas não se confunde, com outros fatores de exclusão e de desigualdade. É preciso conhecermos a sua natureza, os seus processos, os seus efeitos, as suas múltiplas manifestações, a sua relação com outras categorias de opressão com as quais concorre para produzir desigualdades.
O Bloco confere centralidade às políticas de promoção de igualdade e de combate ao racismo. É tempo de romper com o estado de negação face ao racismo e ao discurso de ódio. O racismo institucional deve envergonhar um Estado de Direito que tantas vezes se vangloria das suas políticas de “integração”. O nosso compromisso é combatê-lo.
As propostas do Bloco:
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Criação de um organismo autónomo na administração pública responsável por, além de executar medidas políticas transversais, desenhar programas específicos em função das necessidades e áreas de intervenção no combate às desigualdades étnico-raciais, do acesso ao emprego público à frequência do Ensino Superior, no qual estejam representadas organizações das comunidades racializadas, de imigrantes e antirracistas;
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Formação específica das forças de segurança contra o racismo, prevenção e combate a práticas de perfilamento racial e apuramento rigoroso dos factos em situações reportadas de violência policial com contornos racistas;
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Alocação do financiamento afeto aos Contratos Locais de Segurança, em vigor em bairros com forte presença de comunidades racializadas, a programas que tenham em vista a redução da vulnerabilidade social, a promoção da empregabilidade e o combate à discriminação racial, abandonando o paradigma de intervenção assente na criminalização dos bairros;
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Fim dos despejos e demolições forçados em territórios com forte presença de pessoas e comunidades africanas, afrodescendentes e ciganas, sem a existência de uma alternativa de habitação digna;
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Medidas legislativas e inspetivas especiais para proteção dos direitos laborais e combate à precariedade e exploração laboral nos setores de atividade em que pessoas provenientes das comunidades racializadas, em especial as mulheres, estão desproporcionalmente presentes (trabalho doméstico assalariado, serviços de limpeza e cuidadoras);
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Medidas de ação afirmativa para promoção da igualdade e de combate à discriminação racial no domínio laboral, nomeadamente ao abrigo do artigo 27.o do Código de Trabalho, como forma de assegurar o acesso e representatividade nos vários setores de atividade, em particular no setor público, de pessoas racializadas;
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Criação de Gabinetes de Inserção Profissional, como estrutura de apoio ao emprego em territórios economicamente desfavorecidos com forte presença de comunidades racializadas;
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Alteração ao Código Penal, no sentido de abranger práticas de discriminação racial atualmente cobertas pelo regime contraordenacional;
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Alteração, no sentido de garantir conformidade com o regime jurídico de combate à discriminação racial, dos artigos 240.o do Código Penal e 250.o do Código de Processo Penal;
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Realização de um estudo nacional, de natureza abrangente e transversal, focado na discriminação racial, em articulação com as organizações antirracistas e representativas das diversas comunidades racializadas;
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Concretização de programas de formação para docentes e outros agentes educativos para promoção da igualdade racial e valorização da história, línguas e culturas das comunidades migrantes e racializadas mais representadas, nomeadamente afrodescendentes e Roma/ ciganas;
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Oferta de ensino bilíngue nas línguas mais utilizadas em cada comunidade escolar;
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Formação e contratação de mediadores e mediadoras escolares oriundos das comunidades racializadas mais representadas localmente;
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Fim das turmas e escolas segregadas e do desproporcional encaminhamento de alunos e alunas do ensino básico das comunidades racializadas para vias profissionalizantes;
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Criação de um contingente especial para candidatos e candidatas das comunidades racializadas no Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior;
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Criação de equipamentos que ajudem a difundir um conhecimento mais completo e rigoroso da história do país, designadamente da escravatura, do colonialismo e do contributo de outros povos e comunidades para a sociedade e a cultura portuguesas;
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Desenvolvimento de um processo participado de revisão crítica das políticas de memória nacional, através da criação e apoio a equipamentos e programas culturais que promovam uma visão de(s)colonial da História e da cultura, que incluam perspetivas e contributos de comunidades historicamente discriminadas e da recontextualização histórica dos equipamentos e lugares de memória existentes;
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Criação de uma linha de financiamento para apoio a organizações antirracistas e representativas das comunidades racializadas;
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Inclusão, no desenvolvimento de todas estas medidas, da participação direta de organizações antirracistas e representativas das comunidades racializadas.