20. Racismo
Combater o racismo e as suas consequências passa por combater esta segregação e eliminar normas que incentivam à discriminação, como a possibilidade de paragem e identificação por forças de segurança com base em estereótipos raciais.
20.1. Não dar tréguas aos preconceitos e à discriminação
Em Portugal, a fragilidade das políticas públicas de efetivo combate à discriminação racial é flagrante, apesar da crescente visibilidade que a discussão sobre o racismo tem conquistado, resultante, em grande medida, da luta das organizações antirracistas.
Persistem na sociedade e nas instituições preocupantes manifestações de um racismo estrutural enraizado que priva as pessoas afrodescendentes, ciganas e de outras comunidades racializadas dos seus direitos fundamentais.
Um grande número de pessoas que vive em Portugal é diretamente afetada por manifestações de racismo e por discriminação com base nas suas características étnico-raciais ou nacionalidade, num exercício de alteridade e humilhação que afeta a dignidade, as oportunidades, a prosperidade, o bem-estar e, muitas vezes, a segurança.
A realização do Censos 2021 foi uma oportunidade perdida para a recolha de dados etnorraciais que nos permitam conhecer o pluralismo de identidades do país e aferir melhor as desigualdades baseadas no racismo estrutural. Entretanto, o Instituto Nacional de Estatística realizou outro estudo, o Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente 2023, o qual, apesar das suas limitações, traz informações relevantes e permite ilustrar algumas dessas desigualdades sobre as quais importa agir.
O Inquérito do INE indica que a seguinte autoidentificação das pessoas residentes em Portugal com idades entre os 18 e os 74: 6,4 milhões identificam-se como brancas; 169,2 mil como negras; 56,6 mil como asiáticas; 47,5 mil como ciganas; e 262,3 mil como de origem ou pertença mista. Relativamente à discriminação, mais de 1,2 milhões de pessoas foram discriminadas em Portugal e 2,7 milhões testemunharam discriminação. É relevante que a população maioritária afirme não sentir discriminações (ou sentir discriminações diferentes – socioeconómicas, por exemplo), mas declare a perceção e o testemunho de discriminação racial.
“Libertar Portugal do colonialismo”: reconhecimento, diálogo e reconciliação
Como diz a Constituição, “libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa”. Nos 50 anos do 25 de Abril, é mais do que hora de assumir por inteiro esse caminho de libertação, quebrando silêncios e mitos sobre o colonialismo português.
O silêncio sobre a violência da escravatura e do colonialismo tem um peso cada vez maior na sociedade portuguesa. As crianças e os jovens, em particular os portugueses afrodescendentes, não podem continuar a receber na escola uma educação que normaliza o tráfico de pessoas escravizadas e que oculta as culturas e a resistência dos povos colonizados. Acresce que as pessoas racializadas e as mulheres permanecem grandemente ausentes do espaço público e dos seus lugares de memória.
Por todas estas razões, é tempo de o país reconhecer as múltiplas origens do seu povo e de se reconciliar com o seu passado.
As propostas do Bloco:
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Criação de um programa público, aberto ao escrutínio e debate, proposto por especialistas, de levantamento das obras de arte não europeias em museus portugueses. Investigar a origem destas peças e abrir o caminho para a devolução daquelas que tenham sido roubadas ou adquiridas em contextos abusivos;
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Criação de uma Comissão sobre a História do Colonialismo Português, a qual seria constituída por investigadores dos vários países envolvidos na história do colonialismo português, promovendo uma abordagem multilateral e visando um caminho de diálogo, reconhecimento e reconciliação;
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Abertura do currículo escolar à reflexão sobre discriminações e racismo, incluindo a consideração da presença histórica de grupos discriminados na sociedade portuguesa, os processos históricos do colonialismo e da escravatura e os seus legados socioculturais;
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Criação de uma Comissão pela Igualdade no Espaço Público que possa refletir sobre que pessoas estão ausentes do espaço público, que formas de memorialização das comunidades subalternizadas podem ser pensadas e que monumentos deveriam ser repensados;
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Promoção, através do INE, de estudos mais aprofundados sobre a questão étnico-racial de forma a informar a decisão sobre políticas de combate às desigualdades.
O racismo mata. É isso que provam os brutais assassinatos com motivações racistas de Alcindo Monteiro, no dia 10 de junho de 1995, e Bruno Candé Marques, em julho de 2020. Por outro lado, persistem os casos de violência policial contra pessoas afrodescendentes e ciganas que muitas vezes redundam na impunidade dos infratores. As pessoas racializadas são mais paradas e identificadas pela polícia, num processo de criminalização e controlo dos corpos negros. As agressões a vários moradores da Cova da Moura na esquadra de Alfragide em 2015, à família Coxi em janeiro de 2019 no Bairro da Jamaica e a Cláudia Simões em janeiro de 2020 por um agente da PSP na Amadora, são alguns dos casos mais recentes e mediatizados de uma violência policial que resultou em mais de dez jovens negros mortos pelas forças policiais desde o início deste século, quase sempre de forma impune.
Queixas arquivadas e violência policial
A investigação realizada no âmbito do projeto COMBAT pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, revela que, entre 2006 e 2016, foram arquivados cerca de 80% dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) na sequência de queixas feitas por discriminação, uma significativa parte dos quais por prescrição (22%).
Num relatório divulgado em 2019, o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa (CPT) reportou que a violência policial e os maus tratos nas prisões são frequentes em Portugal e que as pessoas afrodescendentes, nacionais ou estrangeiras, estão mais expostas a violações de direitos humanos. A Amnistia Internacional Portugal tem também alertado para o problema.
De acordo com dados da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), em 2020 registaram-se 1.073 queixas contra a atuação das forças de segurança, verificando-se uma subida de cerca de 12% entre 2019 e 2020.