23. Pessoas com deficiência
são esmagadoramente na área da institucionalização. Ora, isso é exatamente o oposto do que se reivindica. Uma vida independente e promoção da autonomia: isso é que deve ser o objetivo.
Para tal o Bloco de Esquerda propõe-se a criar uma prestação social para a autogestão da Vida Independente e investir na desinstitucionalização, autonomização e serviços de apoio a pessoas com deficiência.
As pessoas com deficiência continuam a ser discriminadas no nosso país. Têm uma taxa de desemprego mais elevada, sofrem mais com a pobreza, têm dificuldade de acesso a serviços e apoios públicos, têm mais abandono escolar e são mais institucionalizadas. Estes são apenas alguns dados que mostram como há ainda tanto para fazer em Portugal para alcançarmos uma sociedade de plenos direitos para todas as pessoas, com ou sem deficiência. Mostram também como a maioria absoluta do PS não foi resposta para estas cidadãs e cidadãos.
Nos últimos anos a desigualdade no acesso ao emprego aumentou e mais de 62% das pessoas com deficiência estava em risco de pobreza, número que salta para os 86,1% se considerarmos apenas as pessoas com deficiência com mais de 65 anos.
Segundo o relatório Pessoas com Deficiência em Portugal: indicadores de direitos humanos 2023, o desemprego nas pessoas com deficiência tem estado a aumentar e mantém-se uma diferença discriminatória e negativa quando comparado com a população geral.
Para além da desigualdade no acesso ao trabalho – e, por consequência, no acesso a um salário – há outras desigualdades que subsistem, como demonstram a taxa de abandono escolar ou a taxa de risco de pobreza.
Quando comparamos o abandono escolar vemos que a taxa é claramente maior nas pessoas com deficiência e se compararmos este indicador ao longo dos últimos anos constatamos que a disparidade entre pessoas sem deficiência e pessoas com deficiência tem vindo a aumentar
Segundo os resultados preliminares do estudo “Ponto de situação da educação inclusiva em Portugal”, realizado por uma equipa do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, “aproximadamente um quarto dos [502]inquiridos refere que o aluno e/ou família foi objeto de alguma situação de discriminação/maus-tratos/injustiça em meio escolar”.
Outra das questões analisadas foi a transição para a vida pós-escolar, tendo o estudo concluído que, dos alunos com plano de transição, quase um terço (32%) são encaminhados para a integração numa instituição.
Ao olharmos para o risco de pobreza, o que se verifica é que este é muito superior entre as pessoas com deficiência, algo que certamente não está desligado da maior dificuldade em encontrar emprego, isto é, um rendimento fixo que contribui também para a pensão de reforma. De facto, a taxa de risco de pobreza antes de transferências sociais é de quase dois terços (62%) na população com deficiência acima dos 16 anos e ultrapassa os 86% na população com mais de 65 anos, uma taxa muito superior à registada na população em geral.
Apoios insuficientes para combater a pobreza e garantir a autonomia das pessoas com deficiência
Apoios insuficientes para combater a pobreza e garantir a autonomia das pessoas com deficiência
Os projetos de vida independente têm sido entregues a IPSS quando deviam servir para apoiar diretamente as pessoas com deficiência, de forma a garantir que as mesmas possam construir uma vida autónoma. Infelizmente a maior parte das pessoas que poderiam – e deveriam – ter acesso a um apoio mensal para a sua independência continuam sem o ter, enquanto as IPSS continuam a concentrar muitos dos apoios.
Para além deste aspeto fundamental, também o acesso a produtos de apoio continua burocrático, complicado e exíguo, assim como o subsídio por assistência de terceira pessoa que é atribuído para compensar o acréscimo de encargos familiares resultantes da situação de dependência das crianças e jovens com bonificação por deficiência do abono de família, e que necessitem pelo menos de 6 horas diárias de acompanhamento por uma terceira pessoa, tem o valor pouco mais de 100 euros mensais. Significa uma compensação de 60 cêntimos por hora a quem presta esse apoio.
O complemento por dependência é atribuído aos pensionistas e beneficiários da Prestação Social para a Inclusão que se encontram numa situação de dependência e que precisam da ajuda de outra pessoa para satisfazer as necessidades básicas da vida quotidiana, tem um valor que depende do tipo de pensão que recebem (contributiva ou não) e do grau de dependência (acamado ou não). Esse valor oscila entre os 95,31 e os 190,61 euros.
Esta realidade mostra um país em que o discurso sobre os direitos humanos é frequentemente pouco mais que isso mesmo. A ótica assistencialista e institucionalizadora das políticas é parte desse problema.
Uma alternativa à institucionalização
A institucionalização das pessoas com deficiência é uma violação dos seus direitos humanos que estão consignados na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada pelo Estado Português em 2009.
A ratificação da Convenção pelo Estado Português e todas as orientações internacionais, que vão desde a Comissão Europeia ao Conselho da Europa, não impediu a persistência de políticas institucionalizadoras.
Segundo os últimos dados públicos, o número de respostas sociais dirigidas a Pessoas com Deficiência ou Incapacidade evidenciou, entre 2000 e 2021, um crescimento de 99 %, mantendo a tendência de crescimento ao longo de toda a série. As respostas Lar Residencial e CACI, em 2021, foram as que apresentaram um maior peso relativo, representando, à semelhança de 2020, 70 % do total de respostas para este grupo-alvo.
Ou seja, a resposta principal continua a ser a institucionalização e não a promoção da autonomia e de uma vida independente. Em setembro de 2023 registavam-se 1042 Planos Individualizados de Assistência Pessoal (PIAP) ativos no âmbito dos projeto- -piloto MAVI, com uma média de horas diárias de assistência pessoal de apenas 2,66 horas, números claramente insuficientes.
É urgente a elaboração de um plano de desinstitucionalização.
É mais que tempo de abandonar definitivamente as políticas assistencialistas e institucionalizadoras que têm sido dominantes e promover uma política baseada nos direitos humanos, que crie todas as condições necessárias ao cumprimento do que está estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
As propostas do Bloco:
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Realização de um inquérito nacional de caracterização sócio-demográfica da população com deficiência;
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Criação de uma prestação social universal para a autogestão da Vida Independente com base na avaliação final da execução dos projetos- -piloto do MAVI, que respeite a filosofia de vida independente cumprindo princípios básicos como o pagamento direto aos e às destinatárias do número de horas de assistência necessárias à concretização do seu projeto de vida e a livre escolha da assistência pessoal;
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Criação e regulamentação da profissão de Assistente Pessoal;
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Criação de um programa de desinstitucionalização, subordinado aos seguintes princípios:
- Reversão do processo de institucionalização pela condição de deficiência;
- Transferência faseada dos recursos destinados às instituições residenciais de longa duração para serviços de base comunitária integrados com condições para atender e servir as pessoas com deficiência;
- Desenvolvimento de um sistema de assistência pessoal individualizada;
- Mudança sistémica no sentido do abandono das políticas para a deficiência baseadas no modelo médico/reabilitador e se fundamentem no modelo social a todos os níveis. Da habitação à saúde. Dos transportes à educação e formação profissional. Do emprego a prestações sociais que permitam uma vida digna;
- Preparação/formação das pessoas institucionalizadas para uma vida em sociedade, reforço da sua capacidade de autonomia;
- Formação dos trabalhadores e trabalhadoras das organizações institucionalizadoras para preencher as necessidades dos serviços a criar.
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Revisão da PSI para alterar as regras de acesso e condição de recursos de modo a não incluir os rendimentos de familiares para a capitação do beneficiário e alargar acesso a todas as pessoas com 60% ou mais de incapacidade;
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Aumento do Complemento por dependência e do Subsídio por assistência de terceira pessoa;
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Possibilidade de incluir pessoas com deficiência, sem limite de idade no IRS dos seus ascendentes, desde que tenham obtido um rendimento anual de trabalho por conta de outrem ou de pensões igual ou inferior a 9870 euros, e que não tenham sido sujeitas a retenção na fonte ou pelo tempo que se encontrem desempregadas, sem que tenham de ser consideradas inaptas para o trabalho;
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Fiscalização do cumprimento da legislação de quotas de emprego e alargamento do novo regime para o teletrabalho às pessoas com deficiência;
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Alargamento da antecipação da idade pessoal de reforma, sem penalização, para pessoas com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, a partir dos 55 anos e majoração dos dias de férias, em função do grau de incapacidade;
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Permissão para os trabalhadores e trabalhadoras com deficiência que à data do pedido de acesso à pensão de velhice preenchiam os requisitos definidos no Decreto-Lei n.o 18/2023 de 3 de março, requererem o recálculo da sua pensão, de acordo com as condições estabelecidas no referido Decreto-Lei;
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Introdução do Direito a 150h anuais de Interpretação de Língua Gestual Portuguesa no código do trabalho;
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Alargamento para 100% do financiamento em regime de crédito bonificado à habitação e criação de um contingente para pessoas com deficiência na oferta pública de habitação a custos controlados;
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Garantia de financiamento público à adaptação de barreiras arquitetónicas e urbanísticas dos espaços públicos, com a fiscalização do cumprimento do Decreto Lei 163/06, cujo prazo terminou em 2017;
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Adaptação das infraestruturas de transportes e respetivo material circulante e proibição da sua aquisição quando não cumpre as normas de acessibilidade;
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Generalização do Balcão da Inclusão a todos os Municípios, mediante apoio da Administração Central às autarquias para a sua instalação;
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Criação de condições para a inclusão de estudantes com necessidades educativas especiais no ensino superior através da garantia de verbas para as instituições de ensino superior para garantir recursos especializados, materiais pedagógicos, alojamentos adaptados e assistência pessoal;
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Criação de condições para o efetivo cumprimento do Regime do Maior Acompanhado, nomeadamente através da criação de um sistema de apoio à tomada de decisão por pessoas com deficiência, e da formação de magistrados e demais profissionais da Justiça sobre os direitos tutelados na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência;
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Deferimento de apoio jurídico gratuito a todas as pessoas quando apresentam queixa por discriminação em razão da deficiência;
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Reforço da Educação Bilíngue para os alunos Surdos e da aprendizagem da Língua Gestual Portuguesa para todas as pessoas;
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Reforço da áudio descrição, legendagem e interpretação de Língua Gestual Portuguesa dos conteúdos audiovisuais;
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Promoção do reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa como idioma oficial do Estado português;
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Sensibilização da comunidade médica para os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência, nomeadamente na pré-concepção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento, no pós-parto e na interrupção voluntária da gravidez;
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Criminalização de práticas de esterilização forçada de raparigas e mulheres com deficiência;
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Reforçar o apoio financeiro às organizações de pessoas com deficiência e criar uma linha de financiamento para apoio às mesmas.