14. Justiça
14.1. Um Serviço Nacional de Justiça
O acesso ao direito, aos tribunais e à justiça deve ser garantido universal e não pode ser negado a ninguém por insuficiência económica. Infelizmente é isso que acontece. A morosidade dos tribunais e o elevado valor das custas judiciais criou, de facto, uma justiça para ricos e uma justiça para pobres.
A governação do PS na área da Justiça demonstrou uma inequívoca falta de vontade política para alterar este cenário. Bastando-se com anúncios de modernização tecnológica e de negociação com os profissionais do setor que não passaram disso mesmo, a política do governo falhou no essencial: na correção de um sistema de Justiça que dificulta a defesa dos direitos das pessoas com mais baixos rendimentos e que não trata condignamente os seus profissionais.
O PS, tal como a Direita, não vê o acesso universal à justiça como um direito básico num Estado de Direito democrático nem como uma prioridade, mas sim como um serviço caro e que deve ser pago. A degradação de infraestruturas, o desrespeito pela dignidade profissional de quem trabalha na justiça, desde os tribunais às conservatórias, dos estabelecimentos prisionais à reinserção social e às forças de segurança, e, em geral, a uma inaceitável seletividade material da Justiça são um legado crítico da governação do PS.
Esta degradação estende-se às condições do sistema penitenciário. Confrontado com uma taxa de encarceramento e uma duração média das penas de prisão muito acima das médias europeias, o governo não conseguiu qualificar o parque prisional, nem conferir centralidade à reinserção social, deixando na gaveta o relatório por si mesmo elaborado com uma programação de intervenções e de reforço dos quadros de profissionais para a década 2017-2027.
É preciso traduzir também na Justiça a centralidade que os serviços públicos têm no nosso modelo constitucional de democracia.
As propostas do Bloco para um acesso universal à Justiça:
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Elaboração de uma Lei de Bases da Justiça que consagre um Serviço Nacional de Justiça assente nos princípios da gratuitidade no acesso, da proximidade dos serviços de justiça, orientação do sistema de execução de penas pelo primado dos direitos humanos e da ressocialização, e dignificação das carreiras dos/as profissionais do sistema de Justiça;
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Redução generalizada das taxas e custas processuais, nomeadamente, isenção de custas em ações por acidente de trabalho, fim das custas de parte em processos de trabalho, alargamento da capacidade jurídica das comissões de trabalhadores em empresas com mais de 250 trabalhadores, incluindo isenção de custas para defesa dos interesses individuais e coletivos dos trabalhadores;
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Alargamento dos critérios para a atribuição de apoio judiciário para que todas e todos os cidadãos possam ter acesso à justiça;
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Dignificação do sistema de execução de penas, criando condições para que a reinserção social deixe de ser desvalorizada e retomando a dinâmica interrompida de aplicação de penas alternativas à de prisão para a pequena criminalidade; requalificando o parque penitenciário e procedendo à contratação dos profissionais necessários, nos termos assumidos no Relatório “Olhar o futuro para guiar a ação presente – 2017-2027”; pondo fim ao entendimento das prisões como offshores de legalidade, fazendo cumprir direitos tão básicos como o apoio jurídico aos reclusos, a instalação em celas individuais dignas ou a saúde em todas as suas valências;
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Criação de um julgado de paz por município, ou por agrupamento de municípios, cuja população seja igual ou superior a 50 mil habitantes.
Propostas relativas aos profissionais da área da justiça:
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Revisão da tabela de honorários dos/as profissionais afetos/as ao sistema de acesso ao direito e aos tribunais. O Bloco de Esquerda bater- -se-á pela urgente adoção de uma nova tabela de honorários dos/as advogados/as pelos serviços prestados no âmbito do sistema de acesso ao Direito e aos tribunais, sustentada numa nova base de cálculo e alterando os montantes devidos pelos diferentes atos processuais praticados nesse contexto;
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Integração da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores na Segurança Social. Milhares de advogados e advogadas continuam sem proteção social, o que, aliás, ficou bem patente durante a pandemia. O Bloco de Esquerda continuará a bater-se para que a CPAS seja integrada na Segurança Social, com a garantia de que quem descontou durante toda uma vida para a CPAS não é prejudicado;
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Recusa das restrições impostas pela Ordem dos Advogados no acesso à profissão. A decisão da Ordem de fazer depender o acesso à profissão de advogado do grau de mestre revela uma orientação restritiva que, sendo errada em si mesma, é agravada pela evidente carga de discriminação socioeconómica que envolve. O Bloco de Esquerda continuará a opor-se, como já o fez, a esta medida;
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Respeito pelos direitos dos oficiais de justiça, através de uma revisão do respetivo Estatuto que sirva à justiça e aos seus profissionais, nomeadamente que preveja a inclusão do suplemento de recuperação processual nos 14 meses de vencimento, com efeitos a 1 de janeiro de 2021; a abertura de concursos para acesso a todas as categorias; o preenchimento integral dos lugares vagos e da regulamentação do acesso ao regime de pré-aposentação;
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Dotação do Instituto de Registos e Notariado dos meios humanos indispensáveis para a garantia de um serviço público de qualidade. Para isso é necessário: 1) Abertura de recrutamentos externos adequados às reais carências de pessoal nos serviços; 2) Revisão do sistema remuneratório; 3) Regulamentação em falta dos prémios de desempenho e produtividade; 4) Atualização urgente dos meios técnicos afetos a este serviço;
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Recrutamento e revisão das carreiras técnicas da DGRSP. As funções exercidas por técnicos profissionais de reinserção social, técnicos superiores de reinserção social e técnicos superiores de reeducação assumem uma importância fundamental para a prevenção da criminalidade e integração social de adultos e jovens. Para além da falta crónica de recursos humanos – não colmatada com as insuficientes vagas abertas em concursos recentes – verifica-se que, apesar da missão em causa e da especificidade das funções inerentes, até hoje a carreira profissional não foi revista nem regulamentada como carreira especial no âmbito da Administração Pública, embora a lei assim o imponha. Como tal, o Bloco propõe: 1) Abertura de concursos que supram de forma efetiva as necessidades atuais dos serviços; 2) Revisão da carreira e que deve ser criada a carreira especial única de Técnico de Reinserção, em conjunto com as organizações representativas dos trabalhadores, garantindo a valorização e progressão das carreiras;
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Recrutamento e revisão das carreiras e das tabelas remuneratórias dos órgãos de Polícia Criminal, ouvindo os sindicatos e associações profissionais e garantindo uma efetiva melhoria das condições laborais destes profissionais.